Café Concerto

Quando te olhas ao espelho o que vês fedelho?
Olha para mim, já vivi guerras sem fim.
Já vivi mil guerras sem sair do quarto.
Em todas elas matei e fui morto.
Comigo é granadas ao pequeno almoço, baionetas à matiné
e bombardeamentos ao jantar.
E ai de quem não lavar as mãos primeiro.
O meu ranger de dentes provoca pânico em parentes.
A caveira com o seu elmo ainda me observa suspensa no meio do quarto.

Guerra é uma palavra feminina

- Canta Helga Route –
“Se as minhas botas falassem
contariam estórias do meu passado
só elas são mudas
e isso alegra o meu amado”

O batalhão passou por uma aldeia.
As poças de água reflectiam o céu agora azul.
As crianças curiosas espreitam por detrás de janelas.
Uma taberna, uma capela, algumas casas.

Os seios robustos da camponesa detrás do balcão.
Os soldados excitados bebem vinho pelos jarros.
O comandante hesitante. A curiosidade matou o gato mas a Felicidade matou o galo para o preparar e ofertar ao comandante.
Os soldados lutam entre si, embriagados.
Um urro vindo de longe da floresta paralisou-nos os nervos tal a sua intensidade e horror.
Nunca tinha ouvido nada assim.

No fundo da minha tigela de sopa estava escrito:

O Eu quer dormir
Mas o Eles não deixa
O Eu quer sorrir
Mas o Eles não deixa
O Eu quer fugir
Mas o Eles não deixa

A noiva enviou a carta que nunca chegou ao seu querido, a morada não existia e o soldado era desconhecido.



- Canta Helga Route –

“O meu amado nada teme
seja homem, animal ou trovoada
mas um segredo vos conto
caga-se todo para satisfazer a amada”

Ainda te achas esperto fedelho?
Achas que me metes medo? Para ti e mais vinte só com um dedo.
Nada tenho a perder, nada tenho a que me afeiçoar.
Sai da frente deficiente deixa passar os heróis.
Ainda consigo cuspir tão bem como um polícia passa multas.
Mas as vozes continuam. São receitas de antigas mezinhas.
A televisão desligada.
A caveira com o elmo continua suspensa no meio do quarto.
A luz negra invisível que emana tudo absorve.