eu. e as conchas e os búzios. eu. e os beijos que dei e os beijos por dar. eu. e os peixinhos. eu e o sol. e o sal. eu na beira mar. eu só e um cão que olha para mim e eu que olho para ele. ternura sob o sol da Arrábida. tão bonito que és cão. verdadeiro. eu e o sol a aquecer-me as pernas. e o mar a chamar por mim. deseja-me. desejo palavra do latim “de-sid-erio” relativo a estrelas. seguir as estrelas. o caminho certo. eu e o Cortazár à beira mar. que homem bonito. e que tantas afinidades temos. como te percebo irmão sul americano. eu também nunca deixei de ser criança. todos os dias mato o adulto que há em mim. o cão está na sombra. eu vou mergulhar. morro todos os dias de tanto amar e de tanto amar todos os dias torno a nascer. e no meu quarto escuro só entra quem trouxer luz. o cão também foi ao mar e ao sacudir a cabeça as orelhas batem na água e fazem um som engraçado. o cão volta para a areia e enterra ao pé de si o pedaço de madeira que a dona atirou para longe. eu caminho na areia. eu penso. eu não me defendo. nada tenho a provar. tal como Meursault na praia. eu sou o estrangeiro. do pais de onde venho a moeda é a confiança. quando falha a confiança vem a faca. eu sou o brilho na lâmina da faca. eu sou o sol que provoca o brilho na lâmina da faca. eu. eu suspenso dentro de água. liquido amniótico. caldo primordial. eu visitante de Vénus. eu que pintei mamutes em Altamira com sangue menstrual. eu aqui na areia. e os sons de insectos, e uma música ao longe. as conversas alheias. o tilintar de um sino de um barquinho de vela. eu suspenso dentro de água. eu rio alto ao voltar à tona. rio desalmadamente. sozinho na água. eu aprendi a rir. eu.