Façamos à luz

Façamos à luz
tudo o que quisermos
só o que quisermos
nada mais do que quisermos
usemos as mãos no corpo um do outro
como se as mãos fossem um pássaro solto
treparemos árvores que não conseguimos descer
para que depois no salto um anjo com as suas asas
a queda nos amortecer
sentemo-nos em esplanadas para nos rirmos das piadas
que os homens contam ao entardecer
pediremos uma bebidas daquelas coloridas
e segredaremos ao ouvido um do outro pequenas maravilhas
pisquemos o olho ao empregado para que ele confuso
e envergonhado deixe cair a bandeja e fique estatelado
pois uma pequena maldade Deus perdoa não é verdade?
desliguemos a televisão e ignoremos a multidão
pois prevemos de antemão uma daquelas batalhas
que começam na cozinha e acabam no colchão
façamos pois à luz
tudo o que quisermos
pinturas de palhaços e diabruras de macacos
que provocam nas crianças sorrisos largos
gastar dinheiro em livros e também em cinema
ouvir pela milésima vez a “Garota de Ipanema”
sentir o vento no rosto e compreender o desgosto
dos que não o conseguem sentir e passam pelas ruas
olhando no vazio e de coração a carpir
assobiar e estalar os dedos
não esconder nenhum dos nossos medos
bater o pé ao som de uma canção e deslizar o corpo
através do salão
gritar o mais alto que pudermos para que nos consigam
ouvir no alto dos arranha-céus e para que todos
compreendam que um dia todos rasgaremos os falsos véus
molhar o rosto na água e limpar toda a mágoa
nunca esquecer que os olhos dificilmente escondem o que
nos vai na alma
e então nús
façamos à luz
tudo o que quisermos.